quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Cerco da Lapa e a formação do imaginário republicano no Brasil.

O CERCO DA LAPA E A FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO REPUBLICANO NO BRASIL

1) Trecho do Livro Triste Fim de Policarpo Quaresma

A revolta já tinha mais de quatro meses de vida e as vantagens do governo eram problemáticas. No sul, a insurreição chegava às portas de São de Paulo, e só a Lapa resistia tenazmente, uma das poucas páginas dignas e limpas de todo aquele enxurro de paixões.  A pequena cidade tinha dentro de suas trincheiras o Coronel Gomes Carneiro, uma energia, uma vontade, verdadeiramente isso, porque era sereno, confiante e justo. Não se desmanchou em violências de apavorado e soube tornar verdade a grande frase grandiloquente: resistir até a morte.

Para a maioria das pessoas tais palavras podem parecer um tanto ingênuas. Mas Lima Barreto, autor do livro  Triste Fim de Policarpo Quaresma, era de uma geração que pretendia reconstruir a identidade nacional brasileira. E aparentemente, eles acreditavam que a História do Cerco da Lapa e a biografia do militar Antônio Ernesto Gomes Carneiro, poderiam contribuir de maneira única na formação das futuras gerações.

Porém, quando estamos lendo algo sobre o Cerco da Lapa, devemos ter em mente duas questões:
→ Número 1: Como foi possível o Cerco da Lapa?
→Número 2: Qual a relação entre o Cerco da Lapa e a construção de um imaginário político republicano no Brasil?

2) Proclamação da República no Campo de Santana

Podemos dizer que o Cerco da Lapa foi apenas uma das consequências diretas da Proclamação da República.
Ao comandar a quartelada que derrubou a monarquia, o marechal Deodoro relatou uma lista de arbitrariedades sofridas pelo exército. Ele mesmo havia sido vítima de perseguições quando era presidente da província do Rio Grande do Sul. Nessa época Deodoro acabou se tornando amigo de um tal Júlio de Castilhos e inimigo ferrenho do doutor Silveira Martins.

3) Fabricação do imaginário republicano positivista


Logo após a proclamação iniciou-se uma luta pela fabricação dos principais símbolos da República, afinal os símbolos são importantes para se conquistar corações e mentes.
O grupo com maior arsenal simbólico eram os positivistas. Eles acreditam que a melhor forma de governo é uma ditadura republicana, onde as pessoas que tem uma afinidade maior com o conhecimento científico deverão governar.

4) Tiradentes

Os positivistas criaram a Bandeira Nacional, reabilitaram a figura de Tiradentes como herói nacional e fizeram da mulher a representação da república.

O positivismo era especialmente forte no Rio Grande do Sul, cuja figura mais destacada era Júlio de Castilhos que acabou se tornando, com a proclamação da república, presidente do Estado.

5) Deodoro proclamador da república.

Acontece que Deodoro como presidente da república se mostrou muito autoritário, e para piorar as coisas sua popularidade foi toda corroída pela crise econômica.

6) Navio da Marinha

Para tornar a situação ainda mais explosiva, a Marinha não estava convencida com as conveniências de uma República. A Instituição era considerada por muitos monarquista, durante o Império era considerada uma corporação nobre, e seus oficiais chegavam a receber soldos melhores do que os oficiais do exército.

7) Congresso

Furioso com a aprovação da lei que permitia o impeachment do presidente o Deodoro da Fonseca mandou fechar o Congresso.

8) Custódio de Melo

Era o estopim para a Primeira Revolta da Armada. Custódio de Melo, a bordo do encouraçado Riachuelo, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro.
Doente e de cama Deodoro renunciou.

9) Floriano Peixoto

Assumiu o Marechal Floriano Peixoto, que decidiu levar o mandato até o final. No entanto, o seu governo era inconstitucional, o artigo 42 da Constituição de 1891, estabelecia que no caso do presidente eleito não completar a metade do mandato, nova eleição deveria ser convocada.

10) Cavaleiros

Quanto ao Rio Grande do Sul, desde a Proclamação da República o estado era marcado pelo choque frontal entre os aliados de Gaspar Silveira Martins e os partidários de Júlio de Castilhos.

11) Silveira Martins

Silveira Martins, conhecido como o Tribuno, representava os antigos liberais do regime monárquico.
Homem rico, dono de uma oratória agressiva, foi o dono do Rio Grande do Sul por vinte anos.
Após a proclamação da República foi enviado para o exílio.

12) Castilhos

Desde a proclamação da república o Rio Grande do Sul tinha um novo Senhor, era Júlio de Castilhos. Um positivista convicto que se revelara um jornalista ambicioso e brilhante.

Com o retorno de Silveira Martins do exílio o estado se tornou um barril de pólvora.
Após fraudes escandalosas em duas eleições e uma sucessão de assassinatos políticos, Júlio de Castilhos assumiu a presidência do Rio Grande em 25 de janeiro de 1893.
Uma semana depois, em 02 de fevereiro, rebentou a Guerra Civil.

13) Gumercindo

De um lado os federalistas de Silveira Martins, que acabou aglutinando toda a oposição ao governo estadual, especialmente os estancieiros da fronteira, caudilhos blancos como o brasileiro-uruguaio Gumercindo Saraiva.

14) Aparício

Os federalistas também ficaram conhecidos como Maragatos. Por que o primeiro bando que invadiu o Rio Grande do Sul em fevereiro de 1893 veio do Uruguai, de um departamento povoado por espanhóis oriundos de La Maragataria.
Os castilhistas os apelidaram de “Maragatos” insinuando se tratar de um bando de invasores estrangeiros formado por pessoas desordeiras, briguentas e mercenárias.
Com o desenrolar da Revolução Federalista, entretanto, Maragato adquiriu um sentido honroso, de coragem e valor pessoal para os defensores da causa parlamentarista.

Do outro lado do conflito temos os castilhistas que contavam com o apoio de Floriano Peixoto.
Como as tropas federais usavam um uniforme azul e boné vermelho passaram a ser conhecidos como Pica-Paus.
Do lado dos Maragatos, Gumercindo se revelaria o grande estrategista dos insurretos, chegando a ser aclamado o Napoleão dos Pampas.
A Guerra perduraria por 31 meses até agosto de 1895, cobrando, como um sinistro tributo, a vida de pelo menos 10 mil homens, sendo que muitos por degola.
15) Revolta da Armada

O que tornou a revolta de caráter provinciano numa revolta de significado nacional foi a Segunda de Revolta da Armada, que estourou em 6 de setembro de 1893, no Rio de janeiro.
Liderados pelos Almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama, os rebeldes não conseguiram tomar a capital do país.

Custódio de Melo manteve uma revolta infrutífera na Bahia de Guanabara por um ano e meio. Acabou partindo para o exílio na Europa.

16) Saldanha da Gama

Saldanha da Gama decidiu partir para Santa Catarina invadindo a cidade de Nossa Senhora do Desterro, capital de Santa Catarina, atualmente conhecida como Florianópolis.

17) Ilha de Santa Catarina
Em fins de 1893, em Santa Catarina, os integrantes da Revolta da Armada se uniram aos Maragatos, dando um novo fôlego à revolução federalista.

18) Carneiro
Com medo de que os federalistas avançassem para o norte, Floriano nomeou o Coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro para a defesa da guarnição da cidade paranaense da Lapa.

A Lapa era uma pequena e bucólica cidade do interior, circundada por montanhas e extensas campinas.
Suas ruas largas sem calçamento traziam nomes simples e compreensíveis, como Rua Boa Vista, Rua do Cotovelo ou Rua da Cadeia Velha. As Casas eram na maioria pequenas, baixas e com poucas janelas. Os lapianos dedicavam-se à criação de gado, agricultura e cultivo da erva mate.
Quando no dia 27 de novembro, Gomes Carneiro assumiu o comando da Coluna, as mudanças no cotidiano da cidade já se faziam sentir. Seus moradores tiveram que trocar os arados e enxadas por pistolas, fuzis e canhões. As ruas encheram-se de barricadas e trincheiras.

A Lapa contava então com 1036 soldados.
Os federalistas, que contavam com uma força muito superior aos defensores da cidade, já reuniam forças junto às povoações que circundavam a Lapa como a Roseira, a Margem esquerda do Rio da Várzea e na Água Amarela.
Para a efetivação da resistência foi muito importante o papel desempenhado pelos caboclos que lutaram contra os federalistas. Os caboclos estavam ligados pela gaveta ou pelo paternalismo ao Coronel da Guarda Nacional Joaquim Lacerda.
No dia 14 de dezembro de 1893 Gomes Carneiro recebeu a notícia de que os dois filhos que deixara enfermos na Capital da República haviam falecido.
Alguns dias depois na Ponte do Rio da Várzea as forças florianistas enfrentaram os soldados maragatos.
Os primeiros treze dias do ano de 1894 foram marcados por escaramuças entre Pica-Paus e Maragatos, sendo que lentamente a cidade se via sitiada pelos invasores.
No dia 15 de janeiro Paranaguá já havia sido tomada pelos revoltosos da Marinha.
Havia Luta em Tijucas.
E na Lapa os conspiradores simpatizantes a causa federalista, colocavam em marcha um trabalho de intrigas, boatos e informações às forças invasoras.

A luta era de todos. Até as mulheres com suas crianças se recusavam a abandonarem seus maridos e filhos que lutavam nos batalhões, e não partiram de trem para longe do conflito.

Curitiba havia sido tomada pelos federalistas.
Desde o fim de janeiro se intensificava o bombardeio à cidade da Lapa.
De três pontos do monge, várias bocas de fogo disparavam sobre a cidade. Ainda assim os parlamentares federalistas eram recebidos à bala por ordem do Coronel Gomes Carneiro.
No dia 22 de janeiro mais de dois mil Maragatos tomaram sucessivamente a estrada de ferro, o cemitério e o engenho Lacerda, passando a resistência a ser feita das trincheiras.
Nos dias seguintes só aumentava o número de mortos.
A água e a comida começavam a faltar.
Carneiro esperava receber reforços vindos de São Paulo. Os federalistas chegaram a fingir combater forças vindas do norte-nordeste, embuste não aceito pelos pica-paus.
Entre sitiantes e sitiados havia aproximadamente a distância de 300 metros. Os sitiados já não repousavam mais. Os federalistas passaram aos ataques noturnos.

Os primeiros dias de fevereiro eram anunciados pelo canhão federalista do cemitério que varria a Rua da Boa Vista.
No dia quatro de fevereiro o Cerco estava no perímetro mínimo.

19) Mapa do Cerco
Várias casas haviam ruído e poças de sangue tornavam o ambiente ainda mais assustador. Os mortos eram enterrados no assoalho da Igreja ou em vala comum.

20) Igreja Matriz de Santo Antônio

No dia 07 de fevereiro, próximo a farmácia Westfalen, Gomes Carneiro é atingido por uma bala que lhe atravessou o estomago e o fígado.
O futuro General da República, Patrono da Unidade Nacional, agoniza até o fim da tarde do dia 09.

21) Gomes Carneiro agonizante.

Antônio Ernesto Gomes Carneiro foi enterrado na manhã do dia seguinte na sacristia da igreja matriz.
No mesmo dia 10 o coronel Joaquim Lacerda iniciou a negociação de uma capitulação honrosa com os federalistas, representados pelo General Laurentino Pinto Filho. A ata de capitulação foi assinada no dia 11 de fevereiro. No dia seguinte entram na Lapa os generais Gumercindo e Piragibe  que, de um modo geral, corroboraram com os termos da capitulação.
Porém o que se testemunhou foram os horrores da degola e do saque entre tantos outros crimes cometidos pelos invasores.

22) Degola
Enquanto os Maragatos conquistavam o Paraná e se debatiam longamente no Cerco da Lapa, Floriano Peixoto organizava tropas em São Paulo para contra atacar os federalistas. Ao mesmo tempo conseguiu adquirir e aparelhar, nos Estados Unidos, uma Armada de Guerra.
Gumercindo Saraiva foi derrotado em julho de 1894 em Passo Fundo. Vindo a falecer, depois de ferido em agosto.

O almirante Saldanha da Gama a frente de 400 marujos resistiu até a morte. Era Junho de 1895. Era o fim da Revolução federalista.

24) Detalhe da estátua do General Carneiro

A produção simbólica em torno do Cerco da Lapa e do General Carneiro é bastante ampla, e procura reificar um projeto ideológico essencialmente positivista. A história da cidade da Lapa tem no episódio do Cerco o seu marco miliário. Na busca pela conquista do imaginário social instituiu-se o 9 de fevereiro como feriado municipal, criou-se o ‘panteon dos heroes’, erigiu-se a estatua e praça em homenagem ao General Carneiro que ainda é homenageado pelo nome de um dos mais importantes colégios da cidade.
Fora da cidade, General Carneiro é nome de municípios, ruas, avenidas e batalhões.
Afinal segundo a máxima positivista:
“Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”

25) Panteon dos Heroes





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